Encantos de Tomar

v o l u m e
#01

a u t o r e s
Arlindo Homem, Carlos Piedade Silva, Carlos Tojo, Isabel Jorge Rabaça, José Godinho, José Luís Garcês, Manuel Gil, Pedro Bernardes, Susana Leite

e d i t o r
José Godinho

d e s i g n
marcvaz.com

e d i ç ã o
Junho 2022

i m p r e s s ã o
Europa

i s b n
978 989 53554 4 0

Prefácio

De “Encantos de Tomar” poderia começar por dizer que é uma expressão que fala por si. Porque é de encantos que se faz esta terra muito mais do que templária. Porque nos encanta de novo a cada dia, sempre capaz de se revelar numa perspetiva inaudita. Porque é de encantamentos, de agarrar quem aqui chega e o prender com artes fantásticas que a sua beleza emana.

Aos caçadores de imagens, da alma dos lugares, não me surpreende, pois, que aqui tenham descoberto um manancial dos seus encantos. Tomar presta-se, como poucos sítios, a esse jogo interminável entre o que julgamos ser a realidade (edifícios patrimoniais e espaços naturais que nos parecem imutáveis) e o efeito que as luzes, as sombras, a física e a química dos dias, a meteorologia, até a nossa disposição num determinado momento, projetam sobre essa pretensa realidade. Encantos que surgem também de inesperados recantos, de brechas na lógica dos sítios e das paisagens e a que os fotógrafos ainda menos são imunes.

Razões mais do que suficientes para justificarem que esta coleção de livros de olhos postos no “país das maravilhas” tenha começado precisamente por Tomar, bebendo nas águas do Nabão e do Zêzere, nas pedras monumentais, na frescura do verde e no azul etéreo que coroa o concelho, o néctar da inspiração que faz dele um excelente álbum para a dar a conhecer aos que eventualmente a desconheçam e para aquecer o coração a todos os que de há muito se deixaram encantar por ela.

by Filipa Fernandes
Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Tomar

Águas de Tomar

Tomar é onde a calma das manhãs tem coisas que a pressa dos dias não permite descortinar. É por isso que apenas quando os olhos, o acaso e a Alma se encontram
num mesmo instante, vemos o que está sempre à nossa frente…
A cidade descobre-se pela manhã, céu cheio ou céu livre, ao lado do Nabão, sentindo-lhe o perfume e a frescura de um rio que mais não é do que um poema serpeante e inesgotável.
As minhas histórias do, e no, Nabão são quase mais as da vontade de as ter tido do que outra coisa. Algumas houve a bordo – ou fora de borda – daqueles botezecos de remos que a rapaziada alugava em desfavor de um gelado, meia dúzia de rebuçados ou de um maço de tabaco sorrateiro e subversivo que só a placidez da juventude fazia presumir desconhecimento paternal…
Outras houve à borda, mas as que mais se recordam são as estórias recontadas vezes sem conta nem medida que uma vida sempre, sempre ao lado do rio foi criando: um gosto desmesurado pelo Rio, um desejo muito grande de ser parte disto tudo, uma inveja enorme das navegantes aventuras de outros mais velhos que por aqui folgaram antes de mim, por sua vez invejosos de mim.
Antigamente, o Nabão podia muito bem ser uma sucessão de espelhos de água que cada açude, permanente ou de estacaria, represava. Eram espelhos que desciam o rio (ou pelo rio?), alimentando as terras e as indústrias; chegavam a Tomar e continuavam a alimentar terras e indústrias; e prosseguiam depois, voltando a alimentar terras e indústrias.
Chamem-se-lhe socalcos no rio e a imagem é bem conseguida.
Os açudes conduziam o sangue da terra em correntes-levadas até aos alcatruzes das rodas, casando com as ditas, autênticas pontes entre água e chão, que, ninando a Natureza com bucólicas chiadeiras e rangidos das madeiras, elevavam o líquido em semi-arcos que se deixavam despenhar nos calheiros, correndo depois por canos e aquedutos até às hortas e o que mais de beber necessitasse.
As terras eram – e são – férteis à beira-rio. Nem podiam queixar-se da água com que as rodas as refrescavam.
E assim era.
Roda após roda.
Chiadeira após chiadeira.
Açude após açude.
Rápido após rápido.
Mouchão após mouchão, autênticas ilhas de verdes e viços, como o Mouchão do centro da cidade, este agora em versão de substantivo próprio: atravessa-se o pontão e esquece-se a urbe para entrar numa catedral de recolhimento a que não faltam sequer imensas colunas a suportar imponentes e translúcidos arcos góticos transmutados em plátanos, a um e só um tempo tecto e vitral por onde a luz se entremeia com a folhagem.
Aqui, a Paz envolve a ilha num abraço ritmado pelas melodias da Grande Roda e das águas que a fazem girar. Mais adiante, lá para Outubro, as mesmas águas vestem-se com a Paz das Pétalas de Iria e, no mesmo abraço, envolvem todos quantos se lhe queiram aninhar.

by Carlos Trincão
Tomar em Dia de Europa,
9 de Maio de 2022
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